O regime jurídico do art.º 147.º, n.º 6 do Código de Procedimento e de Processo Tributário
- Assunto: procedimentos cautelares
- Data de criação: 17 Dez. 2012
Resumo:
Apesar de o art.º 147.º, n.º 6 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) regular expressamente a adopção de medidas cautelares a favor do contribuinte, o seu carácter restritivo e insuficiente à luz do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, implica, necessariamente, a aplicação subsidiaria dos meios processuais cautelares previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Corpo:
No Código de Procedimento e de Processo Tributário apenas uma disposição legal regula a adopção de medidas cautelares a favor do contribuinte, trata-se do art.º 147.º, n.º 6, que estatui o seguinte: “O disposto no presente artigo aplica-se, com as adaptações necessárias, às providências cautelares a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários, devendo o requerente invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária e a providência requerida.”.
Temos então, no âmbito do contencioso tributário, a consagração legal da admissibilidade da adopção de medidas cautelares a favor do contribuinte. No fundo, o legislador limita-se a dar cumprimento ao princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 268.º, n.º 4 da CRP, que estabelece expressamente, desde a revisão constitucional de 1997, que essa tutela abrange a “adopção de medidas cautelares adequadas”.
Relativamente aos pressupostos que são exigidos para o decretamento da providência cautelar, resulta da simples leitura daquele preceito legal que não é feita qualquer referência ao fumus boni iuris para a sua adopção, o que poderia ser entendido como a não exigência deste pressuposto para o decretamento de uma medida cautelar fiscal a favor do contribuinte. Entendemos, porém que, apesar desta norma não fazer referência ao fumus boni iuris, este constitui necessariamente um pressuposto para o decretamento das medidas cautelares em geral enquanto “prova sumária do direito ameaçado”.
Com efeito, na nossa perspectiva, não é de admitir o decretamento de uma medida cautelar sem a apreciação sumária (summaria cognitio) do direito a acautelar, evitando deste modo, o decretamento de medidas cautelares nos casos em que é manifesta a falta de fundamento. Não obstante, a não referência ao fumus boni iuris (“aparência do bom direito”) no texto da norma deve ser entendida com o sentido de que o legislador não faz qualquer distinção entre os vários graus que o fumus pode assumir.
Assim, a medida cautelar pode ser adoptada sempre que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão, não se exigindo, em qualquer caso, que seja provável que a pretensão do contribuinte formulada no processo principal venha a ser julgada procedente, ou seja, não se exige uma maior intensidade do fumus boni iuris.
Por outro lado, resulta ainda daquela norma que a adopção de medidas cautelares se reduz às situações em que houve fundado receio de uma “lesão irreparável”, o que exclui, portanto, todas as situações de “lesão dificilmente reparável”, e de “lesão reparável”. Tem-se considerado que estamos perante prejuízos irreparáveis quando os prejuízos não são susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa. E, no âmbito das relações jurídico-fiscais, os interesses em causa são na maior parte das vezes patrimoniais, e por conseguinte susceptíveis de quantificação pecuniária, o que significa que dificilmente estaremos perante uma situação de “lesão irreparável” que possibilite a adopção de uma medida cautelar.
Na nossa opinião, o carácter demasiado restritivo do art.º 147.º, n.º 6 do CPPT, excluindo de forma genérica, sem excepções às situações de “lesão dificilmente reparável”, e de “lesão reparável”, aliado ao facto de este constituir o único preceito legal no Código de Procedimento e de Processo Tributário que versa sobre a adopção de medidas cautelares a favor dos contribuintes, revela a manifesta insuficiência de regulamentação da lei processual fiscal para fazer face à complexidade e evolução das relações jurídico-fiscais, garantido uma tutela jurisdicional efectiva.
Nessa medida, serão de aplicar subsidiariamente os meios processuais cautelares previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) por força da regra de direito subsidiário prevista no disposto no art.º 2.º, alínea c) do CPPT, o que, aliás, tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (contencioso tributário) – Cfr. entre outros, Acórdãos do STA de 16/01/2008, processo n.º 0717/07, de 18/10/2006, processo n.º 0857/06.
Refira-se, no entanto, que a adopção de medidas cautelares ao abrigo do art.º 120.º, n.º 1, alínea b) ou c), do CPTA, na prática, limita-se a casos muito reduzidos considerando que o preenchimento do pressuposto do periculum in mora, quer no âmbito das medidas conservatórias, quer nas antecipatórias, será sempre difícil dada a natureza dos interesses em causa nas relações jurídico-fiscais, que são na maior parte das vezes patrimoniais.
Com efeito, quando estão em causa interesses patrimoniais, em regra será possível reconstituir a situação existente através quer do pagamento de juros indemnizatórios previsto no art.º 43.º da LGT e art.º 61.º do CPPT, ou através do instituo da responsabilidade civil extracontratual do Estado, pelo que dificilmente se verifica a situação de “facto consumado” prevista na alínea a) daquele preceito legal, ou a existência de “prejuízos de difícil reparação” prevista na alínea b). Acresce que, quando está em causa a legalidade de actos de liquidação ou a apreciação de um acto que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, o disposto no art.º 103.º, n.º 4 do CPPT impõe a prestação de garantia para que a impugnação judicial tenha efeitos suspensivos, o que afasta desde logo, a suspensão da eficácia desses actos se não for prestada garantia ou obtida a sua dispensa nos termos do art.º 170.º do CPPT.
No que se refere à aplicação do disposto no art.º 120.º, n.º 1, alínea a) do CPTA no âmbito das relações jurídico-fiscais, o facto de não ser exigido o periculum in mora confere uma protecção plena ao contribuinte perante actos em que “seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal”, ou seja, em casos de manifesta ilegalidade.